sábado, 23 de outubro de 2010


Quando todas as manhãs abro a janela do meu quarto, vejo um tapete de folhas mortas que  durante a noite cairam das árvores proclamando o terminar de uma vida. O vento deixou-as cair com delicadeza até ao seu encontro final com o relvado fofo do jardim ou com o empedrado duro da rua.


 
CANÇÃO DE OUTONO

Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.

De que serviu tecer flores
pelas areias do chão,
se havia gente dormindo
sobre o próprio coração?

E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.

Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando áqueles
que não se levantarão...

Tu és a folha de Outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.

Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...

                                              Cecília Meireles

Imagem tirada da net

6 comentários:

Carolina disse...

Gosto muito da Cecília Meireles.
Poetisa brasileira. O poema que mais gosto dela chama-se: "Naufrágio"

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

-Cecília Meireles-

Anónimo disse...

É lindo! Não conhecia.
bjs
cila

Cacilda disse...

Os dois poemas são lindos. Eu não conhecia nenhum. Obrigada por nos darem oportunidade de os ler.
O Outono é a Estação dos poetas.
São lindas as suas cores mas eu acho-a triste... Rapidamente virá o Inverno e logo a seguir chegará a Primavera, a minha preferida.

Beijinhos

Cacilda

Ivone disse...

Os poemas dela são lindos ,
Até os mais paqueninos!
++++

Inscrição na Areia

O meu amor não tem
importância nenhuma.
Não tem o peso nem
de uma rosa de espuma!

Desfolha-se por quem?
Para quem se perfuma?

O meu amor não tem
importância nenhuma.

Cecília Meireles

Unknown disse...

Mais uma fâm de Cecilia Meireles.
Dedico este poema a todas as amigas.
...................................
Recado aos Amigos Distantes

Meus companheiros amados,
não vos espero nem chamo:
porque vou para outros lados.
Mas é certo que vos amo.

Nem sempre os que estão mais perto
fazem melhor companhia.
Mesmo com sol encoberto,
todos sabem quando é dia.

Pelo vosso campo imenso,
vou cortando meus atalhos.
Por vosso amor é que penso
e me dou tantos trabalhos.

Não condeneis, por enquanto,
minha rebelde maneira.
Para libertar-me tanto,
fico vossa prisioneira.

Por mais que longe pareça,
ides na minha lembrança,
ides na minha cabeça,
valeis a minha Esperança.

Bjs Paulinha

O céu da Céu disse...

Também gosto muito da Cecília Meireles e por curiosidade acrescento que nasceu em 1901 e faleceu em 1964.
Aqui vai mais um poema dela:

APRESENTAÇÃO
Aqui está minha vida-esta areia tão clara com desenhos de andar dedicados ao vento.
Aqui está minha voz-esta concha vazia, sombra de som curtindo o seu próprio lamento.
Aqui está minha dor-este coral quebrado sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança-este mar solitário, que de um lado era amor e, do outro, esquecimento.

Cecília Meireles, "Retrato Natural".
Um abraço a todas.